sábado, 11 de março de 2017

SOBRE "ATRAVÉS DE ALICE: SONO, SONHOS, SOLUÇOS E SUSPIROS"

CIA DE EROS 5° GERAÇÃO
Apresentação
O espetáculo teatral “Através de Alice: sono, sonhos, soluços e suspiros” foi uma proposta de investigação cênica para “Alice no país das maravilhas” de Lewis Carroll pela Companhia de Eros no ano de 2015, em comemoração aos cento e cinquenta anos da publicação do livro, aos cento e vinte e cinco anos da Brasital e aos cinco anos de formação do grupo.
O projeto em questão foi viabilizado pelo 1° Edital do Fundo Municipal de Cultura da cidade de São Roque – SP. A proposta pretendia não apenas viabilizar o acesso da comunidade em geral ao espetáculo, mas também, e principalmente, desenvolver atividades educativas com objetivo de ampliação do repertório visual e com foco em procedimentos do teatro contemporâneo. 
O projeto contemplou três dimensões:
Na dimensão Workshop: esta frente teve a finalidade de desenvolver nos professores e, por consequência, nos estudantes do ensino fundamental da rede municipal o interesse pela arte. Organizamos encontros entre a equipe realizadora e professores interessados, visando à formação de espectadores, facilitando assim o acesso linguístico ao espetáculo. Foram quatro encontros com professores da Secretaria de Educação que multiplicaram pelas escolas a leitura de “Alice no país das maravilhas” pelo viés do surrealismo. Outra ação dentro dessa dimensão foi uma oficina de colagem realizada pela fundadora da Sociedade Lewis Carroll do Brasil, Adriana Peliano, para os integrantes da Companhia de Eros.
Na dimensão Exposição: partilhamos uma exposição dos mini cenários para os doze capítulos do livro “Alice no país das maravilhas”, criados por Daniela Campos, estudante de Artes Visuais na Universidade de São Paulo (USP) e ex-integrante da Companhia de Eros na sua primeira geração. Além dessas esculturas-objeto, fizeram parte dessa exposição, intitulada “Através Através de Alice”, as ilustrações, da mesma artista, dos integrantes do grupo, todos caracterizados de Alice, com a técnica lápis de cor e caneta sobre papel.
Na dimensão Espetáculo: realizamos uma temporada de sete apresentações no Salão do Núcleo de Música do CEC Brasital; uma apresentação no Teatro Paulo Autran (Hotel Villa Rossa em São Roque) e encerramos a temporada no Centro Municipal de Educação e Cultura (CEMEC) em Mairinque – SP. Participamos também do Festival Cartográfico de Artes na cidade de Votorantim – SP.
O grupo
O grupo teatral Companhia de Eros (doravante apenas CIA), originou-se em uma oficina de teatro ministrada pela diretora e arte/educadora Lisa Camargo em janeiro de 2010 no Centro Educacional e Cultural Brasital. Seguindo uma escolha temática, o “teatro do gesto”, doze adolescentes finalizaram essa oficina de vinte horas e reivindicaram a continuidade.
Era a oportunidade de interferir na questão da visibilidade do teatro e a sua relação com a sociedade na cidade. A opção pela formação de um grupo foi uma estratégia com vistas ao fortalecimento do teatro como forma privilegiada de uma ação cultural.
Ação cultural: processo de estimulação das capacidades de um sujeito ou grupo criador, através de um procedimento em geral de caráter artístico, o qual será determinado pelo próprio sujeito ou grupo. Segundo o pensador francês François Jeanson, citado por Teixeira Coelho Neto em “O que é ação cultural”, Ed. Brasiliense, 1988, “um processo de ação cultural resume-se na criação ou organização das condições necessárias para que as pessoas inventem seus próprios fins e se tornem assim sujeitos – sujeitos da cultura, não seus objetos”.
A escolha do saber fazer aliada ao saber pensar encontra forte respaldo na linguagem teatral, ao favorecer e fortalecer o trabalho coletivo. E o teatro de grupo é enriquecedor pelo fato de oferecer a seus integrantes a chance de se envolver com o processo artístico por completo, além de ser um instrumento de mobilização e de intervenção no meio sociocultural.
“O teatro de grupo constitui uma categoria de organização e produção teatral em que o núcleo de atores movido por um mesmo objetivo e ideal realiza um trabalho em continuidade e, estendendo sua atuação a outras áreas, principalmente no que diz respeito à própria concepção do projeto estético e ideológico, o grupo acaba por criar uma linguagem que o identifica”.
     
·         TEATRO de Grupo. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo69/teatro-de-grupo>. Acesso em: 02 de Mar. 2017. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

Ao promover, no processo criativo, a discussão necessária para a compreensão do fenômeno artístico e da ação cultural, os (as) participantes percebem o redimensionamento, não apenas dos aspectos pessoais, mas também dos sociais. Então, nesse sentido, a ação sociocultural em teatro é compreendida sob a luz de uma perspectiva educacional crítica, procurando desenvolver uma consciência estética e ética para dar voz aos integrantes.
Nesses sete anos da CIA, podemos afirmar que foram muitas as experiências positivas do ponto de vista afetivo, cognitivo, estético e ético que contribuíram para a formação de sujeitos mais seguros nas suas escolhas futuras.
Convencionou-se dentro da CIA usar o termo “gerações” para distinguir ano a ano as formações, já que é flutuante em função das disponibilidades. Os integrantes são adolescentes na média de 12 a 18 anos, oriundos de escolas públicas e particulares da cidade e região.  
Dentro da CIA defendemos um relacionamento alicerçado na convicção de que somos, sempre, sujeitos dialógicos, em permanente formação. Buscamos manter um discurso claro e bem fundamentado e contínua abertura para o novo, para o conhecimento em ininterrupto devir.
Em resumo: a CIA desenvolve atividades que inclui entretenimento, processos arte/educativos e experimentação, propondo a prática teatral como meio de comunicação e formação de público na cidade de São Roque.
A equipe realizadora e a proposta de encenação
As pessoas que tiveram a missão de coordenar tecnicamente o projeto: Carolina Villaça: artista-docente, responsável pela produção e preparação corporal; Daniela Campos: estudante de Artes Visuais, assumiu a cenografia e figurinos; Lélis Andrade, artista-docente, também responsável pela preparação corporal do elenco; e Lisa Camargo, arte/educadora e encenadora da CIA, responsável pela compilação de textos, roteiro e coordenação do projeto. 
Apesar das funções definidas, nossa metodologia pode ser classificada dentro da pesquisa-ação. Isso significa que a equipe esteve o tempo todo em meio à criação, à direção cênica, às proposições de pesquisa, à produção etc. e, por esse motivo, resolveu assinar o espetáculo em conjunto, usando o termo “direção compartilhada”.
Não entendemos o ensino de teatro com enfoque na auto-expressão e muito menos na reprodução do teatro tradicional, que tem somente a função de predispor o espetáculo e não se preocupa em formar o sujeito.  Com essa premissa a equipe realizadora fez deste projeto uma experiência criativa e didática.
Definimos de início, já que a opção era por um tema nonsense, que seria impossível contar Alice de forma convencional; pensávamos que uma encenação que tentasse ser totalizante, decepcionaria.
Com esse desafio, exploramos vários conteúdos que foram do estudo do movimento surrealista ao teatro de figuras alegóricas, doravante apenas TFA.
Teatro de Figuras Alegóricas: é a proposta de um modelo espetacular desenvolvido pela Professora Doutora Ingrid Koudela na Universidade de Sorocaba – SP. Segundo Koudela, citado por Joaquim Gama em Alegoria em jogo, Ed.Perspectiva, 2016,“na contemporaneidade, a mistura de gêneros e o desinteresse por uma tipologia teatral única, acompanhada pela dificuldade de uma separação nítida dos gêneros dramáticos, fez emergir outras denominações para a cena. O teatro de figuras alegóricas se constitui numa forma teatral própria com base em seis premissas. São elas:
1- Não conta histórias construídas a partir da relação de causa/efeito, mas alinha quadros que se relacionam através de associações;
2- Não apresenta caracteres psicologicamente diferenciados, mas sim figuras alegóricas;
3- Não há uma imitação ilusionista da realidade, mas sim realidades autônomas com regularidades espaciais e temporais próprias;
4- Não transmite mensagens racionalmente atingíveis na forma discursiva, mas cria universos imagéticos que valem por si;
5- Não almeja, em primeira linha, a ativação e influência sobre a consciência, mas sim motivar o jogo de troca entre as camadas estruturadas imageticamente no subconsciente e o pensar conceitual;
6- Busca romper o limite na relação entre palco e platéia.

Sobre a técnica na preparação corporal

No processo de pesquisa, criação e montagem do espetáculo “Através de Alice: Sono, Sonhos, Soluços e Suspiros”, os integrantes da CIA participaram de um trabalho técnico, teórico e prático, o qual foi sustentado por meio de duas etapas:
·         Consciência e
·         Expressão do corpo
No que diz respeito à primeira etapa, o objetivo foi proporcionar ao aprendiz de ator/atriz desenvolver uma consciência do seu corpo anatômico e cultural. E para alcançar tal resultado alguns estudiosos da área da linguagem teatral e dança contemporânea foram explorados, sendo eles e, respectivamente, seus estudos: Ivaldo Bertazzo e Klauss Vianna (educação somática).
Na segunda etapa, o processo se amparou em Viola Spolin (Jogos Teatrais), Marcelo Lazzaratto (Campo de Visão), Jacques Lecoq (Máscara Neutra, Coro, Corpo da Palavra e Improvisação), Rudolf Laban (Análise das Ações Simples e Complexas e o Espaço) e Renato Ferracini (treinamento energético).
O intuito de dividir a preparação corporal em duas etapas ocorreu no entendimento dos preparadores em buscar, em um primeiro momento, de aprofundar a “consciência” do próprio corpo, individual e coletivo, dos integrantes da CIA, compreendendo desta forma, quais informações habitam e formam este corpo para que assim, em uma segunda etapa, pudesse ser utilizada desta consciência já ampliada, um caminho para se expressar com maior criatividade e domínio. 
Apoiados nessas técnicas variadas, vindas da formação universitária dos preparadores corporais e de suas experiências vividas com tais técnicas, os aprendizes exercitaram e desenvolveram a liberação, a concentração, a sensibilização, a integração e a prontidão desejadas para o espetáculo.
Sobre o espetáculo
A Companhia de Eros espera pela chegada de Alice. Enquanto a personagem mais famosa da literatura mundial não chega, eles brincam entre sono, sonhos, soluços e suspiros. Será que Alice vem?
O espetáculo teve como livre inspiração a dissertação de mestrado “Através do Surrealismo e o que Alice encontrou lá” (USP, 2012) de Adriana Peliano, uma “especialice”, artista visual, designer, escritora e fundadora da Sociedade Lewis Carroll do Brasil.
Dentre as referências artísticas do surrealismo pesquisadas pela autora, escolhemos: René Magritte e Salvador Dali.
Citando Joaquim Gama em Alegoria em jogo, Ed. Perspectiva, 2016, “no século XX, o teatro, com a intenção de representar as múltiplas dimensões do mundo moderno, trouxe à cena vários elementos das artes visuais: a tela, os inúmeros efeitos visuais, combinando imagens projetadas com cenas e esculturas com atores. Cabe destacar que movimentos artísticos como o dadaísmo, o surrealismo e o futurismo tiveram fortes influências na configuração desse teatro, que buscava ser mais imaginativo e sensorial”.

As apresentações iniciavam com a exposição de Daniela Campos. Enquanto aguardavam a abertura das portas do “teatro”, o público apreciava os mini cenários de Alice e as ilustrações criadas durante o processo.
O espetáculo teve sua narrativa construída a partir de doze composições de cena, articulados ora com imagens e fragmentos de textos de Adriana Peliano ou da história de Carroll, ora com vídeos e ações corporais. Os vídeos que dialogaram com o espetáculo eram dos integrantes da primeira geração da CIA, representando alguns dos personagens criados por Lewis Carroll: o Coelho Branco, a Rainha de Copas, a Lagarta Azul, o Gato de Cheshire e o Chapeleiro Maluco com a Lebre de Março.
Na técnica compositiva, valemo-nos de sobreposição e repetição, justaposição de imagens numa relação dialógica com as obras de arte apreciadas em projeção dos artistas mencionados.
Vale destacar que além da dissertação de Peliano, há forte influência do teatro de figuras alegóricas na nossa encenação no que tange ao modelo de ação.
“No Brasil, o conceito de modelo de ação tem sido ampliado por Ingrid Koudela, cujas contribuições nos possibilitam pensar como modelo não só textos escritos, dramáticos, mas também textos imagéticos. Não se trata de qualquer texto imagético, mas de obras de arte relacionadas à produção de artistas que têm uma trajetória significativa no âmbito das artes visuais. A opção por obras de arte reside na concepção brechtiana de que para que o modelo possa ser imitado é necessário que haja nele algo de soberano, digno de ser imitável. O que se busca é um modelo em que seja possível aprender com o autor da obra. Assim, as imagens que têm interessado a pesquisadora e encenadora são obras clássicas”.
Essa citação também foi extraída de “Alegoria e Jogo” de Joaquim C.M. Gama. Nesse livro Gama refletiu sobre a encenação como prática pedagógica do espetáculo Chamas na Penugem, uma experiência cênica de 2008 com os alunos de Arte e Educação com habilitação em teatro da Universidade de Sorocaba (UNISO).
Para explicar o motivo de tanta influência do TFA na concepção de montagem de “Através de Alice”, mais esclarecimentos são necessários.
Atendendo ao convite de amigos estudantes de teatro na UNISO em 2008, Lisa Camargo assistiu à estreia do espetáculo Chamas na Penugem no dia 21 de junho do mesmo ano, no Teatro Municipal de Sorocaba Teotônio Vilela.
A experiência estética instigante causou um impacto sobre ela, assim Camargo começou a pesquisar o TFA, através dos artigos científicos publicados posteriormente (o livro de Gama desenvolvido em função de sua tese de doutorado na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo foi publicado em 2016).
Ingrid Dormien Koudela assinava a encenação e a dramaturgia de Chamas na Penugem. Na época, era professora convidada da Universidade de Sorocaba, assim como Joaquim Gama.
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 Descritivo cronológico das principais atividades:
09 de janeiro de 2015: os integrantes do grupo visitaram a exposição de Salvador de Dali no Instituto Tomie Ohtake com curadoria de Montse Aguer.
24 de janeiro de 2015: reunião com os pais dos integrantes da CIA.
27 a 29 de janeiro de 2015: oficina de Reeducação do movimento com orientação de Lélis Andrade.
03 de fevereiro de 2015: início dos ensaios.
03 de março de 2015: reunião com a Secretária de Educação.
31 de março de 2015: 1° workshop com professores da rede municipal com o tema Alice e o Surrealismo.
07 de abril de 2015: apresentação da performance sobre Salvador Dali.
14 de abril de 2015: apresentação de aula expositiva sobre René Magritte.
26 de abril de 2015: encontro entre a equipe, o elenco, os integrantes da 1° geração e a apresentação da menina convidada para representar Alice.
28 de abril de 2015: 2° workshop com professores da rede municipal com o tema Alice Ilustrada.
29 de abril de 2015: reunião com Chefe da Divisão de Cultura.
02 de maio de 2015: oficina de colagem para os integrantes da CIA explorando o universo imaginário de Alice com Adriana Peliano.
12 de maio de 2015: 3° workshop com professores da rede municipal com o tema Alice na fotografia.
17 de maio de 2015: gravação dos vídeos pelo cinegrafista contratado para o projeto Anderson Pedron com integrantes da CIA, primeira geração.
28 de maio de 2015: ensaio fotográfico de Daniela Campos para a disciplina “Introdução a forma tridimensional” (USP). O foco estava nas gaiolas construídas por Daniela para o espetáculo Através de Alice.
02 de junho de 2015: 4° Workshop com professores da rede municipal com o tema Alice e o Teatro.
04 de julho de 2015: Exposição “Através Através de Alice” de Daniela Campos.
24 de julho de 2015: apresentação de “Através de Alice: sono, sonhos, soluços e suspiros” no Festival Cartográfico de Artes de Votorantim – SP.
22 de agosto de 2015: ensaio fotográfico com Luciana Ferreira, fotógrafa contratada pelo projeto.
18 a 27 de setembro de 2015: temporada espetáculo.
07 de novembro de 2015: apresentação no Hotel Villa Rossa – São Roque
08 de novembro de 2015: participação da CIA com uma cena de “Através de Alice” no Sarau do Coletivo do Kabuletê.
17 de dezembro de 2015: última apresentação do espetáculo em Mairinque.
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Em que sentido o projeto propõe uma pedagogia para as artes?
Processos críticos e transformadores fundamentados numa concepção de educação que valoriza a construção do conhecimento e o desejo de ter uma prática artística no qual a pesquisa teatral se funde ao processo, com atenção aos aspectos pedagógicos da criação cênica é uma constante em nossos trabalhos.
Como já foi mencionado, não estamos inseridos em ambiente escolar formal, mas consideramos nossa atuação em situação educacional. Fazer uma opção pedagógica, ou seja, assumir um posicionamento sobre objetivos e modos de promover o desenvolvimento e a aprendizagem de sujeitos num contexto sociocultural concreto implica decisões e ações que envolvem o destino humano de pessoas.
Para “Através de Alice”, pensamos na articulação da cena contemporânea com o ensino de arte, tentando compreender suas especificidades para o desenvolvimento da formação artística na contemporaneidade, sobretudo, na perspectiva da participação ativa do espectador na elaboração do sentido da cena teatral, ultrapassando a barreira do lógico-racional.
Nessa direção, a adoção de um modelo espetacular denominado “teatro defiguras alegóricas” (TFA), que pretende configurar-se como uma abordagem pedagógica e estética a ser desenvolvida no campo da pedagogia do teatro, proposta esta encaminhada pela pesquisadora Ingrid Koudela, têm influência direta na nossa encenação, como já mencionado.
Segundo Joaquim Gama (2016, p. 95), em seu livro Alegoria em jogo: “A encenação como prática pedagógica implica a concepção de que no próprio desenvolvimento da montagem teatral encontra-se o campo de investigação prática e teórica. Nesse sentido, os processos de aprendizagens artísticas estão voltados aos procedimentos didáticos utilizados no desenvolvimento do trabalho cênico, nas opções estéticas e nos levantamentos bibliográficos que definem o arcabouço teórico da encenação”.
Como nos ensina Ingrid Koudela, citada por Gama: “ao combinarmos a produção artística teatral à pedagogia do teatro temos a oportunidade de construir um processo cênico e pedagógico de valor significativo tanto para o Teatro como para a Educação”.
Vale salientar que essa proposta favoreceu o diálogo com outras abordagens contemporâneas, ficando a critério da equipe coordenadora e integrantes do grupo a elaboração de outras proposições, quando a tentativa “cega” de seguir as premissas do TFA não eram suficientes.
A partir de agora, passaremos a discutir os procedimentos didáticos e as opções estéticas que responderam às nossas necessidades na montagem de “Através de Alice”.

“ATRAVÉS DE ALICE: SONO, SONHOS, SOLUÇOS E SUSPIROS”:
ENCENAÇÃO COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA

A Arte/Educação, na contemporaneidade, tem buscado novos paradigmas e a proposta da encenação como prática pedagógica trouxe a possibilidade de experimentarmos o sentido da arte como provocação, invenção e, a ampliação da capacidade de significar as experiências estéticas e educativas.
A montagem do espetáculo implicou encaminhamentos didáticos relacionados à leitura de imagem das doze heliogravuras de Salvador Dali, publicado em 1969 pela New York’sMaecenas Press-Random, para o livro Alice no país das maravilhas, edição daquele ano. Por uma maravilhosa coincidência essas ilustrações fizeram parte da mostra do artista reunidas numa exposição pelo Instituto Tomie Ohtake, a qual grande parte de integrantes da CIA tiveram o privilégio de conhecer em janeiro de 2015.
Da obra do belga René Magritte, quatro de seus óleos sobre tela foram referenciadas no espetáculo: “Alice au pays dês marveilles”, 1946; “The son of man” 1946; “The Great War on Facades”, 1964 e “LeThèrapeute”, 1937.
As opções estéticas foram sendo discutidas na observância das premissas do TFA:
A partir da história criada por Carroll há cento e cinqüenta anos, contamos também uma história, mas através de uma narrativa enviesada.
Narrativa enviesada: termo cunhado de Katia Kanton, Ed. Martins Fontes, 2009, “para criar suas narrativas enviesadas, uma das estratégias dos artistas contemporâneos é o uso de contos de fadas. Essas histórias paradigmáticas do mundo ocidental são conhecidas o suficiente para poderem ser fragmentadas, repetidas, desconstruídas e viradas do avesso pelos artistas. Não há risco de que a identificação com o espectador ou leitor desapareça, considerando-se a popularidade de que são revestidas”.
No lugar do começo-meio-fim tradicional, compusemos o espetáculo a partir de tempos fragmentados, sobreposições, repetições, deslocamentos.
Substituímos as cenas dramáticas tradicionais por doze quadros elaborados para o espetáculo, ou melhor, preferimos denominá-los de doze “Composições” no que diz respeito as suas definições presentes na maioria dos dicionários: formar de várias partes; entrar na constituição de; arranjar; dispor; produzir; fazer; escrever. Dessa forma, nos aproximamos da primeira premissa do TFA, ou seja, não contamos uma história construída a partir da relação de causa/efeito, mas alinhamos quadros que se relacionaram através de associações.
Abaixo as doze composições para o espetáculo:
1° A espera por Alice
2° Menina rio e/ou o barco de Lewis Carroll
3° O relógio mole e palavras valises
4° Meninas surreais e/ou metamorfoses
5° Toca do coelho e o sorriso do gato de Alice
6° Será que Dali pinta o sonho ou sonha pintando?
7° A espera por Alice 2
8° Relógio mole e palavras valises 2
9° Meninas gaiolas Magritte + Mulher Rosto Jardim
10° O chá esfria a gente muda
11° Alice no país de René Magritte
12° Quem Alice pode vir a ser?  
Como descrito acima, todo o trabalho não esteve relacionado à interpretação de um texto dramático, portanto não caberia também a formulação de personagens dramáticas. Preferimos adotar o termo “figuras” (sem o “alegórico” pela complexidade do termo).
Assim, cada integrante da CIA participava da encenação como ele (a) mesmo (a), adotando ora ou outra a figura da Tartaruga, do Chapeleiro, do Coelho, da Lebre de Março, etc. A valorização da individualidade de cada corpo e de cada gesto como expressão de uma identidade foi a marca deste projeto.
Nesse sentido, nossa encenação não apresentou conflitos individuais e/ou psicologismos, atendendo a segunda proposição do TFA.
Quanto à terceira premissa que propõe um teatro não ilusionista, é preciso destacar que o foco do nosso experimento esteve na realidade teatral, seguindo a tendência contemporânea da não hierarquia entre os elementos cênicos. Ações corpóreas, projeção de imagens, vídeos, objetos, sons entre outros teceram o discurso, ou melhor, o jogo entre esses elementos é que compuseram o discurso cênico de “Através de Alice”.
Ainda na tarefa de relacionar as premissas do TFA à estética do nosso espetáculo, a quarta orienta o seguinte: “não transmite mensagens racionalmente atingíveis na forma discursiva, mas cria universos imagéticos que valem por si.”
Na contemporaneidade, onde a imagem se consolidou como elemento fundamental de comunicação e conhecimento, impera também a necessidade da formação de espectadores para ver, compreender e produzir imagens a fim de que seja garantido o seu reconhecimento como sujeito crítico e criativo.
Por meio da imagem foi possível criar processos de aprendizagem com o grupo de adolescentes, acionando a imaginação, cognição, relações com o espaço e principalmente o trabalho corporal, que em vários momentos da encenação, eles próprios criavam imagens. A título de exemplo na composição “Toca do Coelho”, os corpos dos atuantes se juntavam para formá-la e em seguida os mesmos corpos se reagrupavam em outro espaço para a estilização de uma bicicleta.
Mais do que pretender uma apreensão lógica e racional do espetáculo, nossa intenção foi causar um efeito quase sinérgico no espectador. Ações corpóreas em diferentes movimentos, direções, planos, relações com o espaço e com o outro, tornaram-se os princípios geradores da criação.
Outra das características do contemporâneo é pensar sobre o lugar do espectador. Assim sendo, as narrativas não lineares criam fendas, desvios, permitindo ao espectador digressões, ou seja, exercer sua imaginação para fazer associações e conexões, assumindo a co-autoria da criação.
Essas características da encenação oferecem provas de que a colaboração estreita entre a teoria do TFA e a nossa prática foi produtiva e possível. Segundo a quinta premissa, motivamos o jogo de troca entre as camadas estruturadas imageticamente no subconsciente e o pensar conceitual.
E por fim sobre a sexta premissa, a busca de romper o limite na relação entre palco e platéia, entendendo aqui além da tentativa de atrair as sensibilidades disponíveis do público, mas também a relação do espaço de apresentação é preciso fazer uma consideração.
Nossa proposta inicial não era a de se reportar ao mais comum do teatro formal, ou seja, de termos uma relação frontal entre atuantes e plateia (à italiana). Em virtude da impossibilidade do uso do espaço inicialmente pensado, tivemos que adotar a relação frontal, frustrando nossas expectativas de apresentar outra relação entre palco/platéia.
Para concluir: “Através de Alice” foi um projeto artístico pedagógico que contemplou a sensibilidade, a percepção, a imaginação, a invenção, a expressão e a sociabilidade que caracterizam algumas das abordagens do ensino de teatro no mundo contemporâneo. 
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Público Alvo e Impacto sobre comunidades e grupos

Através de Alice estreou no dia 24 de julho de 2015, no Auditório Municipal Francisco Beranger de Votorantim, como parte da programação do Festival Cartográfico de Artes (Região Metropolitana de Sorocaba). Nessa apresentação, a predominância era de artistas, parentes e convidados que praticamente lotaram o auditório com capacidade para 270 pessoas.    
Da estreia até o mês dezembro, foram 10 apresentações, com um total aproximado de mil espectadores.
A temporada em setembro do mesmo ano com sete apresentações no Salão do Núcleo de Música da CEC Brasital para um público de sessenta pessoas por sessão não era suficiente para a platéia constituída basicamente por estudantes, professores e público em geral. Tanto que numa delas, tivemos que distribuir convites para uma segunda apresentação que nem estava planejada.
Em uma dessas apresentações (20 de setembro), após o espetáculo, com duração de quarenta e cinco minutos, promovemos um debate sobre o trabalho, aproveitando da presença de Adriana Peliano, autora da dissertação que deu origem a idéia de abordarmos Alice pelo viés do surrealismo. Várias Avoltadas à própria linguagem teatral. Havia uma necessidade de entender que teatro era aquele, até pelo elenco que ainda procurava uma lógica.
De forma resumida, Adriana Peliano colocou o seguinte: “que o desafio de trabalhar com a arte é justamente lidar com aquilo que a gente não entende.  Começar um trabalho já sabendo onde quer chegar, isso não é um processo de criação. Lidar com o que você não entende é um desafio da arte e um desafio de Alice”.
obs: Infelizmente, a gravação do debate ficou com a qualidade de som muito ruim e conseguimos “pinçar” somente a fala de Peliano.
Incentivar o debate sobre a cena contemporânea era um dos nossos objetivos e a intenção que nossa estética despertasse novas conexões entre a sensibilidade e o cotidiano das pessoas foi atingido. As observações vinham espontâneas após cada apresentação, “sentimos mais que entendemos...”.
obs.: uma das falhas de nosso projeto foi não ter documentado formalmente os depoimentos do público.
E por fim, outro dos nossos objetivos estava na contribuição com o movimento teatral na cidade de São Roque que juntamente com outro grupo estudantil, o Casca Grossa (que tem o mesmo tempo de formação do nosso) tem colocado em cena o protagonismo juvenil.  A adolescência requer dos educadores maior disposição para entender e dialogar com as formas próprias de expressão juvenis.
Depoimentos do Elenco 

 “Meu processo de inclusão na Cia de Eros não podia ser melhor. Achei que fosse uma coisa menos dinâmica e não divertida... Me surpreendi! Como todos os integrantes, me perguntei sobre tudo no começo da criação do espetáculo Alice. Como por exemplo: "Estamos tendo aula de teatro ou de biologia?”, por conta do vasto, porém, importante, estudo sobre o corpo humano. Antes da finalização, claro, passamos por dificuldades, mas nada que não pudesse ser superado com a Cia. Tanto que o nosso espetáculo foi o maior sucesso!
Alice, para mim, foi um aprendizado de vida, e nunca vou ver essa história como via antes... Tenho certeza que, quem contemplou o espetáculo, também não.”

Ana Clara Amorim, 14 anos

“Até chegarmos no "Através de Alice: sono, sonhos, soluços e suspiros" que temos hoje, houve um processo de montagem muito bom, com muitas conversas, ideias e trocas.
Aprendi muito nesse ano de trabalho com a Companhia de Eros, e com Alice. Foi um processo trabalhoso, e um tanto difícil, mas que nos deu um maravilhoso resultado”.

Bia Riccio, 14 anos

“Eu já conhecia o trabalho da Cia de Eros e tinha amigos que faziam parte dela, quando um deles me disse que iriam dar início a uma montagem inspirada em Alice no país das maravilhas, e, eu que já havia feito teatro e estava parada, sentia necessidade de voltar aos palcos e essa era a melhor chance de voltar.
No começo éramos desafiados com jogos teatrais, com o passar do tempo esses jogos foram direcionados para a cena pelos nossos mestres/tutores Lisa, Carol e Lélis.
Estive muito confusa em boa parte da montagem, frustração e descrença quase me tiraram dali, mas meu amor pelo teatro e a confiança que tenho por todos ali foram mais fortes. Quando a peça já estava pronta que comecei a entender a proposta, que era nada mais que não entender, mas senti-la e apreciar suas belas imagens.
Fico muito grata por ter tido essa oportunidade única.”

Denise C. Octávio, 17 anos


“A Cia de Eros, mais que um grupo de teatro é um grupo de dança, de estudo, de questionamentos, de amores, de amizades... uma árvore que dá frutos revolucionários para nossa sociedade.
A montagem de "Através de Alice..." durou cerca de um ano e meio. Tal montagem envolveu pesquisa, amadurecimento, reflexão, trabalho coletivo e principalmente aprender a trabalhar com o incompreensível...
O projeto seria realizado de forma totalmente distinta sem o Fundo Municipal de Cultura que teve grande importância para a realização de Alice”.

Léo Paiva Lopez, 14 anos


“O processo de montagem de "Através de Alice..." foi uma loucura.
A cada vez que montávamos uma cena, não sabíamos onde ela se encaixaria e nem o que ela significava, mas, quando tudo foi se encaixando, tudo ficou mais "entendível".
Alice nos uniu e nos fez pensar em tanta coisa, buscar, conhecer, praticar, inovar.
Alice foi e é parte do nosso crescimento no teatro e na vida.
Alice é um sonho, te faz viajar para todos os tempos e dessa vez, juntos, ficamos presos no tempo do surrealismo.”

Maitê Netto, 15 anos

 “Acho que nunca estudei tanto quanto para o processo de Através de Alice!
Tantas horas de dedicação me fez pirar e ao mesmo tempo, passou tão depressa.
Passei por abismos de medo, flutuei nos ares da satisfação... foi uma experiência completa. Até parece que os arrepios e carinhos compartilhados entre nós em cada uma das apresentações nunca sairão de mim.
Eu, com certeza, sentirei falta desse espetáculo, desses estudos e desses momentos de união.
Evoé, eróticos!”

Marina Rizzi, 15 anos


“O processo de criação de Através de Alice, foi a coisa mais louca que vi até agora.
Foi um ano de preparação que só entendemos o porquê disso, agora, seguimos as cegas e quando todos estavam duvidando de que iria dar certo, organizamos as cenas e eu vi que todo aquele esforço valeu a pena.
Entender totalmente Através de Alice, eu não entendi, mas o pouco que sei é o suficiente, e, faz parte de toda a graça não entender.
Através de Alice ampliou meus horizontes em relação ao teatro e ficará marcado pra sempre em mim”.

Rafaela Ferraz, 15 anos

 “Participar da Cia tem sido muito gratificante para mim.
Sinto que essa experiência me fez amadurecer tanto na vida pessoal quanto no palco.
A convivência com todos é muito agradável. Somos muito unidos e nos respeitamos.
A Lisa, a Carol, a Dani e o Lélis são cuidadosos, compreensíveis e estão sempre dispostos a nos escutar.
Participar dessa aventura “alicinante” tem sido maravilhoso. Sou muito grata aos meus colegas e mestres por essa experiência de muitas trocas e aprendizados.
Gratidão, CIA DE EROS!

Tifane Deamates, 16 anos

“Tenho certeza que todos os componentes da Cia de Eros, não saem dos encontros  apenas com ensinamentos teatrais, mas também com ensinamentos de vida.
No começo do processo de montagem, estávamos passando por um momento difícil, com algumas desistências e pessoas não acreditando que os ensaios iniciais gerariam algo com um bom nível (eu estava entre elas), porém, seguimos em frente e não desistimos, e, com isso, estávamos nos unindo cada vez mais. Hoje me sinto muito honrado por estar participando de um grupo como esse (com pessoas maravilhosas).
O nosso trabalho resultou em um espetáculo sensacional (mérito a todos do grupo). Mas a melhor parte é que, faço isso por prazer e não por obrigação. Porém, ainda temos alguns problemas técnicos, como falta de iluminação e um espaço adequado (palco), que contribuiria para se fazer uma apresentação melhor”.

José Angelo G. Moraes, 14 anos










segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

99° ENCONTRO 2015 D99

Monika Serkowski

Dia 17/12/2015

Última Apresentação de "Através de Alice: sono, sonhos, soluços e suspiros" - CEMEC MK













ATÉ 2016! VEM AÍ A 6° GERAÇÃO...